quarta-feira, 28 de setembro de 2016

História Incompleta




 José Siebra de Oliveira, sem data


Pareciam abaladas as virtudes do céu e a terra dissolver-se nos seus elementos.
            As gigantescas árvores milenares retorciam-se e estralejavam na fúria da tempestade que assombrava a floresta densa e escura.
            As águas caiam em cântaros.
            A natureza se debatia em estertores de morte e os raios rasgavam o coração da mata.
            Deus festeja assim o nascimento de um predestinado.
            Uma cabana aparece no meio da confusão ao claro rugido dos relâmpagos.
            Ali uma mulher dá a luz a uma criancinha. Um chão frio servia de cama e uma candeia bruxuleante mostra a placidez e a candura daquelas faces aflitas. Uma índia velha ao seu lado segura a sua mão e sustém no colo a criancinha despida.
            - Yara, toma para ti este menino e guarda-o para o destino que Deus traçou.  Toma este documento e só a ele o entregue na sua maturidade.
            Um instante... um bruto empurrão escancara a porta e um homem que tem os olhos faiscando de ira e o rosto contorcido pelo ódio enfrenta de punhal em punho a pobre mãe indefesa que brada:
- Deus, a Ti encomendo a minha alma e a vida do meu filho!
O monstro brada:
- Miserável! Chegou a tua hora. – e ponto os joelhos no ventre da pobre mulher desfecha-lhe uma terrível punhalada no coração.
A pobre índia em gritos de dor lança-se sobre o carrasco e outra punhalada atravessa-lhe o peito e ela cai de bruços.
Depois apenas o choro da criança que ficara entre os dois cadáveres.
A luz da candeia se apaga, a natureza emudeceu e agora a noite seguia silenciosa.
Vêm os primeiros clarões da autora.
Farejando a amplidão um enorme tigre avança atraído pelo cheiro de sangue. Aproxima-se da cabana. Encontra a porta aberta. Entra e vivo apenas vê aquele pequenino a movimentar os bracinhos, e corre veloz para apanhá-lo nas presas agudas. Já salta sobre a criança e vai apertá-la nos dentes, mas eis que um tiro ouve-se de dentro da mata e o tigre cai morrendo sobre aqueles corpos.  A bala leal e certeira vara-lhe a cabeça.

(sem conclusão)

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Minha Filha




 
 
Átomo de luz, límpida gotinha
De orvalho desprendida do infinito,
Pousaste neste bloco de granito
De asperezas da vida, Siletinha.

Sopro de Deus, Silete, a tua alminha,
Como um pingo do eterno no finito,
Prisioneira de um corpo pequenito,
Neste vale de lágrimas, filhinha.

Sê sempre pura, humilde e caridosa!
Que não murchem as pétalas da rosa
Desta candura destes olhos teus!

Minha filha, não vale nada a vida
Se não for pela Pátria vivida
Pela família, pela fé, por Deus.

José Siebra de Oliveira
Em 13/10/46

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Poema sem Título



 (Sem título)
 José Siebra de Oliveira, Crato 7/11/1950

Outros átomos de luz, outras gotinhas
Mais três enfim que caem do infinito
Na vida, grande bloco de granito,
Zé Aderson, Eduardo e Stelinha.

De todos eles sua alma é uma estrelinha,
Em seus olhos tão puros, quando os fito,
Um mundo de belezas infinito
De cada um eu vejo na sua alminha.

Fazei-os, meu Deus, bem caridosos,
Bem amantes da Pátria e ardorosos
Soldados da cruz e filhos teus.

Que eles conservem sempre esta candura
Prefiro vê-los ir p'ra a sepultura
Do que com crimes Te ofenderem, ó Deus!

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Fragmento sem Título sobre o Crato



José Siebra de Oliveira
(sem data)

          Não posso sentar-me naquela nuvenzinha que, sem companheiras, vejo ficar no centro do céu. Além disto, faltam-me máquina e filme sobrenaturais.  
            Impossível é pois a convergência da luz em seus Três Tempos, antes, agora, depois, tanto da que procede do espírito como da que tem princípio na matéria.
            Absurdo seria então querer kodaquizar, num milagroso instantâneo, o meu Crato, não só em sua topografia, nas linhas geométricas de suas construções e de seus acidentes, na expressão artística e histórica das obras que cristalizam a inteligência, a vontade e a energia do povo, mas no seu todo, no seu passado, no seu presente e no seu futuro, no estado e efervescência de suas almas, no sentir e no agir dos homens, nas relações de necessária dependência entre o que foi, o que é e o que será, pois só na eterna imobilidade do Primeiro Motor, Deus, é uno e atual o passado, o presente e o futuro do ser em todas as suas realizações.
            Subirei, entretanto, em espírito e, sem ver o passado e não enxergando o futuro, de lá ditarei, para que o meu braço grave no papel, nas pinceladas que se fizerem possíveis, apenas os maiores relevos da matéria e do espírito que, atualmente existentes, vendo, do alto, um olho e telepatizando um cérebro, pudessem se estampar na tela límpida de uma consciência.
            É uma tarde de segunda-feira, bonita e agradável.
            Uma gaze safírica, tecida de camadas atmosféricas e fios de luz solar, vela o abismo dos espaços e a face das estrelas, caindo, em círculo, nas chapadas das serras que contornam o vale.
            No fundo glauco e soberbo, à música harmônica dos rios, do vento, das aves, dos animais, das folhas secas, da enxada, da foice e do machado do camponês, do estrondear dos comboios e das boiadas nos caminhos poeirentos, do choro dos carros de boi, da bigorna do ferreiro, dos gritos estridentes do flandre às marteladas do flandreiro, das buzinas dos caminhões e dos automóveis, do gemido das fábricas, do serrote do carpinteiro, dos ais angustiados da colher do pedreiro que corta o tijolo, do bate-boca do metro na loja de fazendas e do litro e da balança na bodega e na feira, do martelo do sapateiro, da voz plangente dos sinos, do ruído da máquina da costureira, do tear da tecedeira, da pedra da lavadeira, do ferro da engomadeira, do prelo na tipografia, da pena do jornalista que dança no papel, do folhear dos livros do professor e do aluno, do tinido surdo dos terços nas igrejas e nos lares, com o dinamismo da instrução e ao calor da fé e do patriotismo, de mãos dadas nas estradas às suas irmãs, Juazeiro e Barbalha, ruída a muralha do orgulho que as separava, Crato, vanguardeira do Cariri, princesa vetusta, baila no jardim matizado de seus campos floridos e de coloridos feéricos, a ciranda da evolução.