quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Fragmento de Carta ao Filho Marcos




Fragmento de Carta ao Filho Marcos

Marcos,
Um GRANDE ABRAÇO para você e mais 10, para sua mãe e seus irmãos.

                Escrevo-lhe de Brejo Santo. Você sabe.
                É 30 de março de 1967 e o relógio já está marcando 20 horas e 39 minutos. Isto não entra, ainda, na sua cabeça.
                O péssimo é que amanhã é sexta-feira e não poderei ir para o Crato.
                Você não vai entender o que vou dizer. Os outros entenderão.
                Saí, agora mesmo, quase correndo de casa.
                Ameaçava chover. Nuvens… relâmpagos e trovões…
                Pergunte ao Flávio e ao Roberto o que significa “ameaçava chover”. Eles explicar-lhe-ão.
                Estava deitado, lendo e ouvindo os pingos d’água tamborilando no telhado.
                O imperador da Áustria[1] dar-lhe-á o significado desta outra palavra.
                A lembrança de vocês tornou-se tão intensa que vi, realmente, vocês todos.
                Pergunte a Angélica o que é “intensa”. Não sabendo ela, veja se Goretti sabe. Vá aprendendo os sinônimos. Esta palavra aqui, somente um do “quarteto do foot-iêiê”[2] sabe explicar. Repito: vá aprendendo os sinônimos, inclusive um sinônimo de sinônimo. Você precisará ser culto, um líder, e o melhor líder é o líder das massas cultas. Voltemos ao assunto.
                O silêncio e a solidão transformaram-se em personagens reais, vivos, coloridos. Onze presenças… indo e vindo… caminhando… aparecendo e sumindo-se… rodeando-me… abraçando-me… dançando… brigando… cantando… rindo… fugindo de mim… virando-me as costas… sacudindo-se no “iêiêiê”… Presenças vaporosas, torturando-me…
                Dentro da confusão, ouvi, ainda, como silvos de balas… bem rápidos… como relâmpagos… como jatos… um zumbindo ligeiro, o SOM de 25 palavras pronunciadas de uma só vez na cozinha… um zumbido de 350 letras… 95 sílabas como numa rajada de metralhas…
                E eu ficando doido…
(Fragmento perdido)

                Vim para o Banco escrever estas linhas.
                Agora é que vou voltar a falar consigo. Estava devaneando.
                Você está bem-comportado? Lembre-se que você precisa ter muito juízo. Deus presenteou-lhe com muitas graças especiais e confio na sua gratidão. Deverá ser sempre um menino bom, um rapaz de bom procedimento e um ótimo cidadão de Deus e da Pátria, um líder sábio, das causas justas e honestas.               Mais um abraço para todos vocês dez e também um para a sua mãe, o qual deverá ser dado nela, de uma vez, por todos vocês. Não vão matá-la.
                Que DEUS abençoe a você e a todos os demais, fazendo-os muito felizes nesta vida e bons peregrinos nesta estrada para a outra.
                Lembre-se que somente poderá ser feliz aquele que é, ao mesmo tempo, sábio, honesto e justo.
                Escreva-me dizendo-me as notícias de casa e da cidade.

J. Siebra


[1] Chico (comentário escrito à mão).
[2] Silete, Estela, Aderson e Eduardo (comentário escrito à mão).

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