Reportagem Matuta
Cumpade,
você bem sabe
Qui
muito tempo já faz,
Dez
ano vão pra trás
Foi
na guerra das Orópa,
Já
bem pertinho da paz.
No
Campo-Sale eu peguei
O
caminhão do Basílio,
Passemo
nos Araripe,
Gente
boa e cum estilo,
Mas
a cidade é a merma,
Eu
num sei qui é aquilo.
E
depois subimo a serra,
Estoremo
na centrá,
Feita
toda cum dinheiro
Do
governo federá.
Cumpade,
o fim num se vê,
É
lisa cuma num há.
Basilo
o pé apertô,
Entoce
o carro correu,
Corria
pra trás o mato,
O
vento batia neu,
Meu
bucho subiu pra guéla,
A
língua toda incuieu.
Eu
ia muito assombrado
De
virá o caminhão,
Pois
eu só vejo é buato
Das
virada que eles dão.
Eu
perdi inté o purso
E
quase perco a rezão.
Mas
cuma sô cearense
Disposto
e trabaiadô,
Resisti,
inté o fim,
A
carreira do motô
E
já bom estava achando
Vendo
o céu mudá de cô.
Da
outra vez fui ao Crato
No
meu cavalo alazão,
O
bichinho era ligeiro,
Depressa
vencia o chão.
Resorvi
ir desta vez
In
riba dum caminhão.
Já
era bem detardinha,
Mas
cumpade, qui beleza!
Tava
o céu todo incarnado,
Qui
nem grande brasa acesa,
A
serra bem verde e escura,
Qui
bonita natureza!
E
quando deu as seis horas,
A
ladeira ia descendo,
E,
lá bem longe, a cidade
Foi
aos óio aparecendo,
Qui
nem jóia bem brilhante,
Na
verdura se prendendo.
As
torre de sua igreja
Parecia
o céu furá,
E
muito prédio bonito
Pra
riba a se alevantá,
Qui
nem sangue, a luz do sol
Toda
a cidade a banhá.
Na
Batateira encontrei,
Por
alemães construído,
Um
casão muito bonito,
Da
estrada ao lado estendido,
Um
grupo de padre bom,
Bem
santo e muito instruído.
Já
tava assim quase escuro,
Chegamo
e fumo jantá.
Me
agasaei, cuma ante,
Na
pensão família,
De
muié senti sordade,
Dos
fio e do macunzá.
Quando
jantemo, eu saí
Pra
vê todo o movimento,
Qui
tristeza, qui horrô,
Senti
em certo momento,
Vendo
dois a se abraçá,
Sem
passá nem pensamento.
Mais
é possíve, qui é isto?
Nesta
cidade do Crato,
Estas
coisa eu nunca vi
Lá
no sertão, lá no mato,
Debaixo
de um pé de pau,
Um
tamanho desacato!
E
fui andando e fui vendo,
De
vez in quando um pasinho,
De
mãos dadas, sem vergonha,
Encostados,
bem juntinho,
Na
minha arma ia cravando
Cada
pá um grande espinho.
Logo
entoce eu me alembrei
De
todos os sertanejo,
Qui
tem muita honestidade
E
de bondade é sobejo,
E
muita sinceridade
Em
suas ação sempre vejo.
Cuma
é tão puro o luá,
Nas
terra do meu sertão,
Beijando
os óios das virge,
Banhadas
no seu clarão,
Belas
e puras donzelas
E
de tão bom coração.
O
rapaz fica doidinho,
Apaxonado
pur ela,
Mais
nem siqué tocá pode
Nem
mermo no dedo dela,
Somente
no casamento,
De
braço vão à capela.
Mais
lá no Crato, cumpade,
A
lua desfaleceu,
Num
tem graça nem beleza,
Ela
inté já escureceu
E
pra muita donzelinha
Os
seus incanto escondeu.
Qui
beleza pode tê
O
luá se derramando,
Entre
pares tão mardosos,
O
pecado alumiando,
O
brio da sua luz
E
a sua prata sujando?
Aquerditá
eu num posso
Qui
dela goste o rapaz,
E
se assim anda mais ela,
É
pur mardade qui faz,
Pra
fazê dela instrumento
Do
má instinto que traz.
Qui
ducação vai saí
De
tantos casais assim,
Qui,
antes de se casar
Já
andaro em má camim,
É
quá quem vai armoçá,
Cumê
antes bem capim.
Mais
felizmente, cumpade,
Num
é rim o Crato todo.
Dizê
isto era jogá
O
seu povo bom no lodo,
É
querê tingí o má
Cum
dez pingo de iodo.
E
fui andando, cumpade,
Pur
as rua da cidade,
Muito
carro, muita gente,
E
sempre cum novidade,
Eu
oiêi pra tudo aquilo
Cum
prazê e ansiedade.
Logo
fui à catedrá,
Cumpade,
tá um esplendô,
Toda
bela, alumiada,
O
padre é trabaiadô,
Muito
santo o seu vigáro,
Um
discipo do Senhô.
Não
é arto pade não,
Mas
é um mostro, cumpade,
Fiquei
muito admirado
Do
valô daquele pade.
O
que lhe farta na artura
Lhe
sobra na sua bondade.
Mas,
cumpade, eu digo agora,
Eu
sô home, mas chorei,
Quando
cheguei na igreja
E
ali não mais achei
O
meu bom padim Assis,
In
tristeza eu me afoguei.
Este
home santo e bom,
Conheci
nos Inhamum,
Ele
nunca teve orguio
E
nem conforto nenhum,
Era
amave a sua pessoa,
Num
tinha pecado argum.
Entoce
fui ao cinema,
As
figura inté falava,
Bem
cheinha toda a sala,
Tiro
no firme estorava,
Quando
o tiro era pá frente,
Na
cadeira eu me abaxava.
Os
cavalo só correndo,
Uma
poeira danada,
E
minha gripe que eu tava
Ficou
muito apiorada.
Senti
a minha cabeça
Cuma
assim que tava inchada.
Logo
entoce eu fui descendo,
E
numa farmácia entrei
De
um tá Zé Figueiredo
Cum
o quá eu me encontrei,
Gosta
muito de matuto
E
cum ele eu conversei.
É
muito bondoso o moço
E
também delicado,
Pru
seu modo de fala
Vi
que ele é preparado,
E
puro povo que entrou,
Notei
que é muito estimado.
Pedi
a pila de vida,
Pru
mode eu ir me deitá,
Mais
me deu foi uma caspa
E
saí a mastigá
A
bicha tanto amargava
Qui
nem fé, qui nem juá.
De
repente fiquei bom,
Minha
cabeça acarmô,
Eu
disse, deu cá pra eu,
Esse
moço num é dotô,
Muito
estudo pode tê,
Mas
eu sei num se formô.
Pois
os formado de hoje,
Cum
quarqué dô de cabeça,
Dize
logo, é pendicite,
Vorte
logo num se esqueça,
Você
deve se operá,
Hoje
é sabo, venha terça.
Inventaro
agora mermo,
Um
tá de amerba no Crato,
E
qui é, qui nem furmiga,
Comendo
o figo e o fato,
Jurgo
se pura a rezão
De
tê dotô qui nem mato.
Fui
ao Branco do Brasí,
No
ôto dia bem cedo,
Eu
cheguei desconfiado,
Sentindo
um gelo em meu dedo,
Eu
entrei naquela casa
Cum
coração chei de medo.
Mas,
cumpade, qui mudança,
Senti
logo de repente,
Eu
falei cum moço gordo,
Me
disseram que é o gerente.
Cumpade,
ele é tão bondoso,
Um
cidadão bem decente.
Fiquei
muito satisfeito
Cum
seu dotô Moací,
O
cidadão delicado,
Cuma
ele nunca vi,
De
sua grande bondade
Eu
nunca mais me esqueci.
Tanto
faz o home rico
Cuma
o pobe ele recebe,
Tanto
faz o home honesto
Cuma
um qui cana bebe.
Cuma
ele nesta terra,
Nenhum
ventre ôto concebe.
Conheci
o seu Amaro,
De
todos muito estimado,
É
ativo e inteligente,
Ô
veinho bom danado,
Se
lhe dizem quarqué coisa,
Ele
nunca fica calado.
Vi
também seu Alencá,
Jeitoso
na falação,
Tem
mimória muito boa
E
tem muita educação,
Conhece
todo matuto
Dessa
nossa região.
Um
tá de seu Epitácio,
Eu
vi ele só sentado,
Num
levantava a cabeça
Na
mesa dele emborcado,
Sereno
cuma a preguiça,
No
seu trabaio agarrado.
Ao
contrário tem um outro,
Toda
vida alevantado,
E
inté pur sua conversa,
Notei
que é muito exartado,
Um
tá de Zé Mariano
Qui
é difice está calado.
Tem
um qui trabaia preso
Na
gaiola do dinheiro,
Depois
sube que é seu Sávio
De
famia dos Pinheiro,
Eu
num gostei muito dele,
Só
me chamô derradeiro.
Noutra
gaiola também,
Seu
Mozá, home decente,
Tem
muita delicadeza,
Dá
muita atenção a gente,
É
carmo, trabaiadô,
É
um moço inteligente.
Entoce
o Toim Landim
Gosta
de fazê favô,
Me
levô inté lá dento,
Pra
carteira do penhô
E
disse pra seu Osvardo:
Num
descuiambe o portadô.
Seu
Osvardo é moço bom,
Mais
tava muito zangado,
Ficando
de toda cor,
Cuma
assim quem tá danado,
Mas
me disse, me descurpe,
Estô
cuns nervo estragado.
Me
arrecebeu seu Osvardo,
Comigo
teve atenção.
Entoce
logo entendi
Qui
tem um bom coração.
É
verdade, ele se infeza,
Mas
é cum toda rezão.
O
sr. Seu Carlos Pêdo
É
muito compenetrado,
Cumele
num conversei,
Pois
vive sempre ocupado,
Nem
nunca fica falando,
Nem
nunca fica parado.
Um
qui vi in Campo-Sale,
Qui
é bem desmantelado,
Qui
trabaiô no cadastro,
E
qui vive só barbado,
Tem
um ar de seu juízo,
Ô
qui maluco danado!
Pra
apresenta suas descurpa,
Este
doido me pediu,
Ao
colega Aureliano,
A
quem ele já feriu.
Disse
que tá arrependido
E
disto bem sentiu.
Lembrá
me fez seu Eurico
Minha
viagem a Canindé.
Lá
vi um home buchudo,
Quaji
virô muié,
Pur
num querê crê in santo
E
pruquê num tinha fé.
Aquele
home, porém,
Fez
promessa, aquerditô
E
logo ficô bonzinho,
E
a sua barriga baxô.
Aconseei
seu Eurico
Que
cresse in Nosso Senhô.
Tem
o Chico, o Manelito,
O
libório, Antonio Agusto,
Um
lôco que nem môto,
Fez
a todo mundo susto,
Arriscando
a sua vida,
Qui
ganhou cum tanto custo.
Tem
o Guion e mais ôtos,
Qui
os nomes num aprendi,
Inté
dos ôtos mais véi,
Eu
também já me esqueci.
Mas
são todos moços bom,
Cuma
eles nunca vi.
Eu
já ia me esquecendo
De
um qui é bem miudinho,
Tem
um porte leviano,
É
metido a engraçadinho,
Muito
espírito, sem ter carne,
É
por certo levisinho.
Do
banco saí, cumpade
Muito
andei pela cidade.
E
do passeio qui dei
Ainda
sinto sordade,
Daquela
terra tão boa,
Dum
povo chei de bondade.
Eu
só num sinto sordade
Dos
namorico de lá,
De
tanta muié já véia,
Mostrando
as peia da pá,
Cá
manga lá no suvaco
Qui
inté nojo a gente dá.
Meu
cumpade me esqueci,
Mas
inda lhe digo agora,
Eu
vi no Crato umas freira
Tá
e quá Nossa Senhora,
Todo
mundo gosta delas.
Deus
queira num vão imbora.
Muitas
e muitas coisa
Eu
tenho pra lhe contá,
Porém
a noite vai arta,
Já
é hora de pará.
Fica
pra otra cunversa,
Quando
nós dois se incontrá.
Boa
noite meu cumpade,
Agora
vô me deitá.
Eu
num me esqueço de casa,
Do
pirão cum macunzá,
O
menozim comeu muito,
Pode
inté impanziná.
Mais,
meu cumpade, eu tô certo,
Terra
boa é meu sertão,
Onde
é bela a lua cheia,
Onde
é gostoso o feijão,
Onde
se brinca feliz
Nas
noites de São João.
Crato
(CE), 20 de maio de 1955.
José
Siebra de Oliveira