segunda-feira, 29 de maio de 2023

Transformação (versão 2)

 



Transformação (versão 2)

 

Aderson Siebra

 

Criança pobre, em berço de humildade,

habitaste choupanas e taperas,

Em tua infância só reinava treva,

Porque luz não existia, e

No céu longínquo estrelas cintilavam,

Indicando o teu futuro

Ornados de pompas e de galas.

 

Sangue em tuas veias pouco havia,

Reinava o perfume em macias pétalas,

No jardim de tuas vestes.

Hoje és rica, a luz já te alumia

E em tuas veias corre o rubro sangue

De valentes que honram teus antepassados,

Mas ainda és criança, minha terra.

 

Alimentas-te com as águas dos teus rios

que do seio materno brotam do Araripe,

cantando a história dos teus bravos ancestrais.

 

Cantas a grandeza e a beleza do teu presente,

a sublimidade de tuas gerações,

e com a glória de teu futuro sonhas

repousando com a cabeça na alcantilada cordilheira verde.

 

Vês desmaiarem pétalas ensanguentadas de crimes,

de crimes e de vícios

que alguns dos teus- filhos praticaram,

Ao desabrocharem flores da aveludada cor da esperança.

 

Criança que sempre dormiste em berço esplêndido

Ao canto suave do poeta,

ao sopro da brisa vagarosa,

na dobra da bandeira dos teus campos.

És grande, és rica, és forte minha terra.

 

Crato, 15 - 5 - de 1942

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Saudade (versão 2)

 


Saudade (versão 2)

 

Aderson Siebra

 

Quando no véu azul do firmamento

Contemplo a branca e solitária lua,

Vem a excelsa formosura tua

Vagar no céu, sem luz, do pensamento.

 

E sobre o barco que na dor flutua

Se desenrola com maior tormento

A triste cena deste sentimento

Que trago n’alma solitária e nua.

 

Saudade é como disfarçada dor,

Como mimosa engrinaldada flor,

Virgem formosa, namorada crente,

 

Deixando n’alma, no vigor da vida,

Recordações de nosso amor, querida,

Ferindo sempre o coração da gente.

 

Crato(CE), 7-4-1944

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Manhã Brasileira (versão 2)

 


Manhã Brasileira

 

Aderson Siebra

 

Sob o pálido da barra purpurina

Surgindo vai o sol lá no levante,

Do caudaloso rio murmurante

Beijando a grácil face cristalina.

 

Dos campos o tapete verdejante,

Vai percorrendo a brisa campesina

Que assobia na crista da colina,

Erguendo aos céus um brado de gigante.

 

Desperta o homem para a imensa luta

E ruge a fera na profunda gruta,

Além... Além, no coração da serra.

 

Fica o poeta a meditar, suspenso,

Vendo a neve subindo como incenso,

Como incensário ir ficando a terra.

 

Crato(CE), 17-12-1943

terça-feira, 23 de maio de 2023

Definha (versão 2)


 Definha (versão 2)

Aderson Siebra


Insetos parasitas vão zumbindo

Nesses jardins imensamente vastos,

Deixando os cílios dessas flores gastos,

O doce aroma vão lhes extraindo.

 

Depois de verem pétalas caindo,

Deixam as flores, saem fazendo rastos

Nos verdejantes jasmineiros castos

Inda tão novos que não estão florindo.

 

Outros insetos deixam estragados

Nestes jardins dos nossos pensamentos,

Formosos ideais engrinaldados;

 

Em lindos galhos, com além distância

De nossa idade, os corações sangrentos

Danificando vão a casta infância...

 

Crato(CE), 11-9-1942

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Ao Ceará

 

Ao Ceará

 


Aderson Siebra

 

Eu te saúdo meu rincão bendito

Berço de Heróis que não temeram a morte

Erguendo um brado, um retumbante grito,

Quebraram os jugos da tirana sorte.

 

Um forte grito que morreu bem longe,

Foi nas quebradas em estranha serra

Aonde a brisa festejando o monge

Passa beijando o coração da terra.

 

Se tu passaste pedestal de bravos,

Por duras lutas, por cruentas dores,

Foste o primeiro a libertar escravos

E sobre eles tu lançaste flores.

 

Tuas espadas, cintilantes, nuas,

Como donzelas tão gentis despidas,

Ao sol brilhavam nas desertas ruas,

De onde fugiram delicadas vidas;

 

Onde tombaram lutadores teus

Nessas batalhas pelo solo ardente,

E suas almas, murmurando, Deus,

Quebraram o jugo desta pobre gente.

 

Onde os perversos fuzilaram nobre

Partindo ao meio corações maternos

E os bronzes velhos com seus tristes dobres

Rompiam fúrias, parecendo eternos.

 

E criancinhas, lamentando a sorte,

Buscavam sempre desfazer o pranto,

Mas eles viam, enfrentando a morte,

Seus irmãozinhos, soluçando a um canto.

 

Viam seus manos, soluçando embora,

Se despedirem do seu ninho amigo,

E relembrando o que se foi outrora,

Abandonarem seu primeiro abrigo;

 

E penetrarem nos cenários vastos

De duras lutas, nas remotas brigas,

Com seus heroicos pensamentos castos

Volvendo sempre às ilusões antigas.

 

Ao chão tombaram resistindo às dores,

Esses guerreiros deste solo bravo,

Pedindo ao povo que lançasse flores,

Na sepultura do primeiro escravo.

 

Longos murmúrios em prisões recentes,

De sofredores, inocentes réus,

Foram queixumes, orações ferventes,

Que o mensageiro conduziu aos céus.

 

Da multidão, o derradeiro brado,

Levou o vento, percorrendo espaços,

E o teu caboclo como herói soldado

Da escravidão arrebentou os laços.

 

Nos horizontes, logo foi surgindo,

Saudando a raça que cantou vitórias

O sol radioso lá dos céus tingindo

Os teus martírios com punhais de glórias.

 

Ó terra minha, relicário santo,

Torrão de crentes, que, de paz suspira,

Deixa teu filho desprender um canto

Quebrando as cordas da sonora lira.

 

Eu te saúdo meu rincão bendito

Berço de heróis que não temeram a morte

Erguendo um brado, um retumbante grito,

Quebrando os jugos da tirana sorte.

 

Um forte grito que morreu bem longe,

Foi nas quebradas em estranha serra

Aonde a brisa festejando o monge

Passa beijando o coração da terra.

 

Crato, 1° de junho de 1944

terça-feira, 9 de maio de 2023

O Sonhador

 

O Sonhador

 


Aderson Siebra

 

Morena linda morena

De lábios cor de açucena

Que neles tem um perfume,

Desperta, escuta o meu canto

Por sobre as águas do pranto,

No barco deste queixume.

 

Volte-me cá neste momento,

Nas asas do pensamento,

Fulgores dos tempos idos,

Abafem-se os desenganos

Ligeiros, fujam sorrindo,

Como os suspiros fingidos.

 

Embora bebendo os licores

Da taça dos meus amores,

Entre as arcadas dum sonho,

Quero volver nos meus versos

Àqueles tempos dispersos,

Passado belo e risonho.

 

Deixa morena faceira

Nesta manhã tão fagueira

Que só meus versos te falem,

Embora além o visgueiro,

O pinho, o cedro altaneiro,

Lá pelos morros se abalem.

 

Que só os duros penedos

Escutem os nossos segredos

Da ventania aos rugidos.

Os maus espíritos se amansem

E destas plagas se cansem

E ao longe sejam tangidos.

 

Morena linda morena

De lábios cor de açucena

Mimoso lírio sem par,

Escuta a lira sonora,

Que as mágoas minhas devora

Por ti agora a vibrar.

 

Crato (CE), 27-junho de 1944

Jacuípe,

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Nas Plagas do Ceará

 


Nas Plagas do Ceará

 

Aderson Siebra

 

 

Como é doce, como é belo

Ver-se aqui na minha terra,

Surgir lá por trás da serra

Tão formosa lua cheia,

Com sua luz prateada

Ir penetrando nas matas,

Beijando as alvas cascatas

E as brancas faces da areia;

 

Beijando as gotas mimosas

E cintilantes do orvalho,

No verde cimo do galho,

No cálix branco da flor,

Lá onde a brisa campestre

Das noites em seus retiros,

Vai desprender seus suspiros,

Suspiros longos de dor;

 

O murmurar das cascatas

Em plena noite, ao clarão,

Unir-se ao forte tufão

Que passa ali soluçando;

Longe, bem longe das praças,

Lá pelas matas sombrias,

Ouvir-se as vozes bravias

Na serra em peso ecoando;

 

O farfalhar nas palmeiras,

Do vento em ternos soluços,

Como a prostrar-se de bruços

Seu próprio amor implorando;

O vento que de além traz

O aroma das açucenas,

Nas suas asas serenas,

Da terra o manto rasgando;

 

E nas longínquas estradas

Em serenatas tardias,

O som das cordas esguias

E rijos do violão;

Que pelo espaço se expande

Com o perfume das flores

Acalentando os amores,

Da lua cheia ao clarão.

 

Se existem mágoas e dores,

Suspiros, queixas, lamentos,

Vão se acabando os tormentos,

Se aniquilando por cá.

Ó gente estranha fitai,

As maravilhas da serra

Os mil encantos da terra,

Das plagas do Ceará.

 

Crato -CE – 7/12/1944