José Siebra de Oliveira, abril de
1958 (publicado no periódico da AABB do Crato)
O auditório está superlotado. Correm
as cortinas. Tem início o programa. Um poeta vem dos bastidores e fala:
MÃE, és a luz das estrelas e és a
estrela das alvoradas... és a invencibilidade dos oceanos e és a placidez das
águas tranquilas... és a força das tempestades e és a suavidade do zéfiro das
noites de primavera... és a candura dos lírios e a fragrância das campinas...
és o mistério dos espaços indefinidos e és a poesia das noites de plenilúnio.
Palmas...
Vem um filósofo e expressa:
MÃE, és a força geradora das
espécies... és o instrumento de transmissão da vida... és o canal que conduz,
no tempo e no espaço, a existência dos povos.
Fraquíssimas palmas... o
auditório não gosta de filosofia.
Um jovem fala como filho:
MÃE, és a fé e o amor, o heroísmo
e a alegria, a santidade dos templos e a divindade dos altares... Ainda que
fosses serpente, te veneraria como deusa e ainda que pecadora, te amaria como
santa.
Muitas palmas...
Um esposo vem e diz:
MÃE DOS MEUS FILHOS, és a minha
amada companheira, amiga de todos os instantes, o anjo do nosso lar... Para
mim, és a mesma santa e bela do nosso noivado.
Palmas...
Ignora-se por qual via, entra um
embriagado que não estava no programa e vai gritando:
MÃE, realmente és a melhor e mais
santa das mulheres... Só tens um defeitozinho...
não gostar de cana.
Fortíssimas palmas... afinal expressou ele mais
uma virtude da cara genitora.
Entra um tipo sério e muito
compenetrado e diz com linguagem realista:
MÃE, contemplo-te, não nesta tua
existência fictícia e abstrata, mas na individuação de todos os dias e todos os
tempos...
***
MÃES, vejo-vos muitas e muitas,
santas e heroínas, enfrentando todos os sofrimentos, todas as tempestades de
dores, todas as decepções, pela defesa da integridade do patrimônio físico e
moral de vossos filhos... lutando, sem tréguas e sem desfalecimentos, pela
conservação e vitória, diante da Pátria e diante de Deus, dos frutos benditos
dos vossos sagrados ventres...
Vejo-vos santificando até a
própria vida para que vivam os vossos filhos, para que se perpetue a espécie.
Vejo-vos consumidas e humilhadas pelo engrandecimento e glória daqueles que
nasceram da vossa carne, para que se avolumem as virtudes cívicas e morais
deles, que brotaram do vosso ser.
MÃES, vejo-vos, muitas e muitas
também, aos milhares e milhares, fugindo às determinações e princípios que
regem o vosso estado, capitulando diante dos menores sacrifícios, vendendo o
futuro e felicidade, a própria vida dos vossos filhos por prazeres baratos e
perniciosos.
Vejo-vos arrancando, perversas e
criminosas, ainda bem verdinhos, enxertados no vosso ser, estes frutinhos
indefesos, quer seja em alguma sala de operação, matadouro humano, quer à força
de injeções e xaropadas.
O auditório não gosta do realismo
e vai se retirando. Faz-se necessário fechar o programa e fecham-se as
cortinas. Entretanto, é preciso que a sociedade arranque a máscara da
hipocrisia e faça justiça...
COMEMORE o dias das MÃES,
erguendo um altar para as santas e um cadafalso para as criminosas.
N.R. – Louvamos o tom realístico do trabalho de
nosso ilustre colaborador.