terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Dia das Mães: Pequeno "show" comemorativo





 
José Siebra de Oliveira, abril de 1958 (publicado no periódico da AABB do Crato)

               O auditório está superlotado. Correm as cortinas. Tem início o programa. Um poeta vem dos bastidores e fala:
               MÃE, és a luz das estrelas e és a estrela das alvoradas... és a invencibilidade dos oceanos e és a placidez das águas tranquilas... és a força das tempestades e és a suavidade do zéfiro das noites de primavera... és a candura dos lírios e a fragrância das campinas... és o mistério dos espaços indefinidos e és a poesia das noites de plenilúnio.
               Palmas...
Vem um filósofo e expressa:
               MÃE, és a força geradora das espécies... és o instrumento de transmissão da vida... és o canal que conduz, no tempo e no espaço, a existência dos povos.
               Fraquíssimas palmas... o auditório não gosta de filosofia.
Um jovem fala como filho:
               MÃE, és a fé e o amor, o heroísmo e a alegria, a santidade dos templos e a divindade dos altares... Ainda que fosses serpente, te veneraria como deusa e ainda que pecadora, te amaria como santa.
               Muitas palmas...
Um esposo vem e diz:
               MÃE DOS MEUS FILHOS, és a minha amada companheira, amiga de todos os instantes, o anjo do nosso lar... Para mim, és a mesma santa e bela do nosso noivado.
               Palmas...
               Ignora-se por qual via, entra um embriagado que não estava no programa e vai gritando:
               MÃE, realmente és a melhor e mais santa das mulheres... Só tens um defeitozinho... não gostar de cana.
               Fortíssimas palmas... afinal expressou ele mais uma virtude da cara genitora.
               Entra um tipo sério e muito compenetrado e diz com linguagem realista:
               MÃE, contemplo-te, não nesta tua existência fictícia e abstrata, mas na individuação de todos os dias e todos os tempos...
***
               MÃES, vejo-vos muitas e muitas, santas e heroínas, enfrentando todos os sofrimentos, todas as tempestades de dores, todas as decepções, pela defesa da integridade do patrimônio físico e moral de vossos filhos... lutando, sem tréguas e sem desfalecimentos, pela conservação e vitória, diante da Pátria e diante de Deus, dos frutos benditos dos vossos sagrados ventres...
               Vejo-vos santificando até a própria vida para que vivam os vossos filhos, para que se perpetue a espécie. Vejo-vos consumidas e humilhadas pelo engrandecimento e glória daqueles que nasceram da vossa carne, para que se avolumem as virtudes cívicas e morais deles, que brotaram do vosso ser.
               MÃES, vejo-vos, muitas e muitas também, aos milhares e milhares, fugindo às determinações e princípios que regem o vosso estado, capitulando diante dos menores sacrifícios, vendendo o futuro e felicidade, a própria vida dos vossos filhos por prazeres baratos e perniciosos.
               Vejo-vos arrancando, perversas e criminosas, ainda bem verdinhos, enxertados no vosso ser, estes frutinhos indefesos, quer seja em alguma sala de operação, matadouro humano, quer à força de injeções e xaropadas.
               O auditório não gosta do realismo e vai se retirando. Faz-se necessário fechar o programa e fecham-se as cortinas. Entretanto, é preciso que a sociedade arranque a máscara da hipocrisia e faça justiça...
               COMEMORE o dias das MÃES, erguendo um altar para as santas e um cadafalso para as criminosas.


N.R. – Louvamos o tom realístico do trabalho de nosso ilustre colaborador.