terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Discurso sem data




Exmo. Sr.

Estamos em dezembro… mês do Natal…
                Numa madrugada fria e escura, quando os pastores vigiavam as ovelhas que dormiam enrodilhadas, uma mensagem foi ouvida nos campos da Judeia.
                “Glória a Deus nas Alturas e paz, na Terra, entre os homens de boa vontade!”
                Estas palavras não saíram dos abismos estrelados, nem dos mares agitados, nem dos vales ou das montanhas silentes, nem daquelas casas de jogos e mulheres perdidas que, em Belém, ainda àquelas horas, algazarravam.
                Esta mensagem procedia de além da extensão e do tempo, do além matéria, do mundo dos seres incorpóreos.
                Os pastores olharam para os céus e, entre os astros que escorregavam no espaço, viram a estrela que os levou a Belém de Judá, onde, numa gruta, na face da montanha, havia nascido o Rei de Israel.
                E a luz resplandeceu nas trevas... E o Verbo se fez Carne e habitou entre nós.
                O Eterno Sol, o Verbo de Deus, encarna-se e nasce numa gruta.
                Surgiu e viveu numa época em que os povos debatiam-se sem rumos certos, na mais vil desumanização do homem.
                As doutrinas filosóficas de Tales de Mileto, de Pitágoras, de Xenofonte, de Xenófanes, de Demócrito, de Alcebíades, de Eurípedes, de Aristipo, de Leucipo, de Platão, de Aristóteles e de Sócrates haviam degenerado no mais confuso ecletismo e no mais angustioso ceticismo.
                Roma atingira o apogeu do Poder e da Glória.
                Dominava desde os confins da velha Escócia até as florestas do Reno e do Danúbio, desde as costas de Portugal aos desertos da Ásia e da África.
                Desaparecera o sentimento de nacionalidade e universalidade.
                Havia apenas o sentimento de Romanidade.
                Todos os caminhos dirigiam-se para Roma.
                Era a Roma imperial que subjugava o gênero humano.
                Era o divino Otávio Augusto na supremacia da glória e do poder, na voluptuosidade da luxúria.
                Divinizava-se um homem pelo esmagamento do gênero humano.
                A grandeza do Império firmava-se nas legiões de guerreiros e nos povos vencidos que enchiam as galeras, as naus belicosas donde se ouviam os gemidos dos escravos misturando-se com o murmúrio das ondas.
                O fastígio e a opulência de Roma fundamentavam-se no sofrimento dos prisioneiros que, acorrentados, de olhos vasados, tangiam as galeras, giravam os olarias, rasgavam as estradas e arrastavam grandes pedras para as ciclópicas construções que ainda hoje admiramos.
                Roma crescia sobre a miséria do povo, com o aviltamento do homem.
                Otávio Augusto possuía legiões, palácios suntuosos, joias esplendorosas, perfumes extasiantes.
                Sacrificava a virgindade das filhas do oriente e do ocidente.
                O povo sofria... gemia... arrastava-se, faminto e sangrando, arrojado à lama...
                Foi nessa época de desumanização que uma luz resplandeceu nas trevas... O Salvador das Nações.
                Revolucionou os povos, não com a força das legiões, nem com o gládio ou a espada, mas com a magia da caridade... do amor ao semelhante...
                Como sal, como o fermento, Cristo difundiu a caridade nas massas.
                Abriram-se os calabouços... Libertaram-se os cativos e a mulher conquistou, no lar e na sociedade, a sua posição de companheira e de Rainha.
                Caiu o Império Romano.
                A luz resplandeceu nas trevas...
                Minhas Senhoras, Meus Senhores, minhas afilhadas...
                Não nos parece a nossa época muito diferente daquela de 20 séculos atrás.
                A luz da estrela foi ofuscada pelas nuvens negras do egoísmo e do orgulho.
                O existencialismo lançado por Kierkegaard contra Hegel e exagerado por Jean Paul Sartre –  que, destilando, em romances, a sua doutrina, ganhou fortuna – tornou a sociedade, na prática, existencialista, esquecida do espírito e os homens expulsaram Cristo do lar e da sociedade.
                A humanidade, depois de uma brilhante ascensão espiritual, volta novamente a olhar só para a Terra.
                Vive-se, então, a lei do mais forte.
                Intensificam-se as explorações do homem pelo homem.
                A humanidade, espezinhada, rasteja novamente na dor, explorada, aviltada, escravizada pelos gananciosos, outros Césares que se multiplicam em todas as nações, produzindo, no mundo, a inversão dos valores.
                A humanidade pede pão, pede roupa, pede educação, pede paz e tranquilidade.
                Promete-se a paz.
                Prometem-na os países onde impera o capitalismo materialista enquanto os trustes de seus milionários continuam oprimindo, economicamente, as massas.
                Prometem-na os países socialistas que substituíram a estrela de Belém de Judá por uma estrela vermelha que somente tem trazido miséria e sangue.
                Não, minhas Senhoras e meus Senhores, eles não nos podem dar a Paz porque a Paz vem de Deus.
                É Cristo a fonte da paz e da fraternidade. É bem certo que a natureza humana sempre foi a mesma desde o princípio e jamais se modificará. O livre arbítrio sempre nos dará direito de fazer o bem ou o mal. Assim Deus determinou.
               Se porém a humanidade adquirir uma visão melhor dos males que a afligem, por sua própria culpa, saberá condenar sempre e sempre todos aqueles que se insurgirem contra as leis da bondade, do amor, da misericórdia e da justiça.
                Os homens de boa vontade, abrasados por um amor real e desinteressado, de reta intensão, reformando as consciências, educando os espíritos, levantando as massas, somente eles poderão proporcionar paz entre os homens.
                A paz somente poderá advir do homem reformado.
              O lar... a sociedade... as nações... são expansões do indivíduo, são prolongamento de cada homem.
                Como será possível construir um majestoso templo da Paz se é péssima a matéria prima, o ferro, a pedra, o cimento, a areia, se são péssimos os operários?...
              É preciso que, interiormente, se reforme primeiro cada homem a fim de que se possa espargir luz... calor... bondade... caridade entre os seus semelhantes.
              Com a vitória da matéria sobre o espírito... com o desprezo da estrela de Belém... os homens desajustaram-se...
                Este estridor que profuso sobre as nações se ouve não é mais do que a ressonância de cada coração desajustado.
                A agitação em que remoinham e são dilacerados os povos não é mais do que a explosão de cada indivíduo insatisfeito e angustiado que, como bólide, se deslocou do seu espaço de rotação e de sua linha de translação.
                As guerras e as lutas de classe são, finalmente, a projeção, no tempo e no espaço, da incompreensão entre os homens, estrondeando em cada lar, sacudindo os seus fundamentos e conturbando a sociedade.
                Desajustou-se a humanidade uma que vez, como em explosão atômica, desajustaram-se todos os indivíduos, perdendo a energia de gravitação e de equilíbrio, energia que é o amor real e desinteressado, amor que leva o homem ao heroísmo pelo bem estar de seu semelhante.
                Repito. A humanidade é o conjunto das nações que, por sua vez, é o prolongamento do lar na sociedade.
                Quando cada lar apaga a chama que ilumina e aquece, então o mundo se envolve em trevas.   

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