Comentário preliminar: Numa época de tão grande esculhambação como a nossa, o moralismo deste texto (escrito em 1965, um ano após o golpe) pode parecer não apenas datado, mas também piegas. Ainda assim, acho que algo sobreviveu. Seu autor provavelmente o escreveu como uma peça edificante. Eu o leio como um ingênuo - mas engenhoso - conto de horror católico.
Bonança e Tormenta
José Siebra de Oliveira, março de 1965 (Publicado no periódico da AABB do Crato)
Do alpendre daquela bonita casa alcandorada,
emoldurada por vegetação paradisíaca, sentados, eles mergulhavam a vista nas
agitadas ondas do oceano que se arrojava contra a base granítica da serra
abrupta.
Todas as reentrâncias da soberba cordilheira,
com a resistência milenar dos seus paredões, aniquilavam a investida das águas.
Observavam, depois, no lado sul o
automóvel dos seus pais, o qual sumia-se nas sinuosidades da estrada,
estirando-se por serra abaixo, até a planície ao nível do mar.
Cláudia levantou-se com o cabelo em
revoluteados ao vento forte do leste e, girando a cabeça, dançava em
saracoteios com aquele entusiasmo contagiante do carnaval.
O irmão aproximou-se da linda Vênus
daquele paraíso e enlaçou aquele corpo esbelto, com afeto fraternal,
expressando, com sinceridade, o seu pensamento.
– Cláudia, não pense em brincar o
carnaval aqui na Capital. Bem sabemos que isto não é o interior onde, em muitas
cidades, folga-se ainda com a honestidade dos cristãos primitivos.
Com um sorriso ligeiro e as
seguintes palavras ela retirou-se.
– Fique tranquilo! Irei passar estes
dias na fazenda do tio Paulo. Já tenho a permissão da mamãe.
Vieram as folias... Momo recebeu as
chaves da cidade...
Música... álcool... fantasias...
máscaras... rebolados... praias... encontros... infidelidades... roubos...
desvirginamentos...
Eram os bastidores do carnaval...
Mascarados irreconhecíveis, Túlio e
Cláudia expandiram-se como diabos libertos do inferno.
Túlio julgava sua irmã na fazenda do
tio.
Cláudia jamais pensaria em encontrar
o Túlio.
Vieram os primeiros sinais da
madrugada de quarta-feira. O rapaz, cruciado, cansado, com remorso, em carro
fretado, sobe a estrada da serra. Aproxima-se do alpendre.
Cláudia, ali, já se encontrava em
pranto. Seus olhos estavam afogados em lágrimas e os seus cabelos louros em
desalinho.
Tu, com a fantasia da moça com quem
brinquei?... Onde a conseguiste?
Meu querido irmão, não posso mais viver!...
Não poderei dizer à mamãe... Túlio, não sou mais nada...
Túlio, colocando a máscara nos
olhos, enfiando os dedos na cabeleira, correu para as bordas da serra íngreme.
Cláudia reconheceu o disfarce com
que se enganara. Em desespero, rasgou as suas vestes e seguiu, precipitada, o
Túlio.
O sol da quaresma elevou-se vermelho
sobre o mar.
Lá embaixo, envolvidos pelas ondas
revoltas, dois corpos são atirados contra a base do penhasco.
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