terça-feira, 2 de setembro de 2014

Bonança e Tormenta



Comentário preliminar: Numa época de tão grande esculhambação como a nossa, o moralismo deste texto (escrito em 1965, um ano após o golpe) pode parecer não apenas datado, mas também piegas. Ainda assim, acho que algo sobreviveu. Seu autor provavelmente o escreveu como uma peça edificante. Eu o leio como um ingênuo - mas engenhoso - conto de horror católico.





Bonança e Tormenta



José Siebra de Oliveira, março de 1965 (Publicado no periódico da AABB do Crato)

            Do alpendre daquela bonita casa alcandorada, emoldurada por vegetação paradisíaca, sentados, eles mergulhavam a vista nas agitadas ondas do oceano que se arrojava contra a base granítica da serra abrupta.
            Todas as reentrâncias da soberba cordilheira, com a resistência milenar dos seus paredões, aniquilavam a investida das águas.
            Observavam, depois, no lado sul o automóvel dos seus pais, o qual sumia-se nas sinuosidades da estrada, estirando-se por serra abaixo, até a planície ao nível do mar.
            Cláudia levantou-se com o cabelo em revoluteados ao vento forte do leste e, girando a cabeça, dançava em saracoteios com aquele entusiasmo contagiante do carnaval.
            O irmão aproximou-se da linda Vênus daquele paraíso e enlaçou aquele corpo esbelto, com afeto fraternal, expressando, com sinceridade, o seu pensamento.
            – Cláudia, não pense em brincar o carnaval aqui na Capital. Bem sabemos que isto não é o interior onde, em muitas cidades, folga-se ainda com a honestidade dos cristãos primitivos.
            Com um sorriso ligeiro e as seguintes palavras ela retirou-se.
            – Fique tranquilo! Irei passar estes dias na fazenda do tio Paulo. Já tenho a permissão da mamãe.
            Vieram as folias... Momo recebeu as chaves da cidade...
            Música... álcool... fantasias... máscaras... rebolados... praias... encontros... infidelidades... roubos... desvirginamentos...
            Eram os bastidores do carnaval...
            Mascarados irreconhecíveis, Túlio e Cláudia expandiram-se como diabos libertos do inferno.
            Túlio julgava sua irmã na fazenda do tio.
            Cláudia jamais pensaria em encontrar o Túlio.
            Vieram os primeiros sinais da madrugada de quarta-feira. O rapaz, cruciado, cansado, com remorso, em carro fretado, sobe a estrada da serra. Aproxima-se do alpendre.
            Cláudia, ali, já se encontrava em pranto. Seus olhos estavam afogados em lágrimas e os seus cabelos louros em desalinho.
            Tu, com a fantasia da moça com quem brinquei?... Onde a conseguiste?
            Meu querido irmão, não posso mais viver!... Não poderei dizer à mamãe... Túlio, não sou mais nada...
            Túlio, colocando a máscara nos olhos, enfiando os dedos na cabeleira, correu para as bordas da serra íngreme.
            Cláudia reconheceu o disfarce com que se enganara. Em desespero, rasgou as suas vestes e seguiu, precipitada, o Túlio.
            O sol da quaresma elevou-se vermelho sobre o mar.
        Lá embaixo, envolvidos pelas ondas revoltas, dois corpos são atirados contra a base do penhasco.    
 

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